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Jessica Lange e Liam Neeson (Rob Roy) |
"No Inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise"
Dante Alighieri
A lealdade foi um dos primeiros valores que me incutiram: indiscutível, incontornável, escrito em pedra.
A mais importante, claro, é para com a família de sangue: sentido de clã, ancestral e entranhado. As coisas de casa não se discutem com os de fora. Defendemos aquilo que nos pertence. Trata dos teus.
Isto não significa cegueira quanto aos defeitos ou erros daqueles que amamos, mas que olhamos uns pelos outros, não tolerando qualquer ataque exterior. Segue-se, nos mesmos moldes, a lealdade para com aqueles a quem queremos bem e que adoptamos como nossos.
Quando oferecemos a nossa amizade, o nosso amor, dedicação ou esforço a alguém - ou mesmo a uma entidade, causa, organização - esperamos legitimamente que essa firmeza seja recíproca. Em tempos idos estimular a lealdade do exército era uma das maiores preocupações de um general competente. Embora este possa parecer um conceito ultrapassado, está muito em voga actualmente falar de " lealdade à organização" e estudar as melhores estratégias para a obter. Não fica bem a um funcionário da Pepsi ser visto em público a beber Coca Cola, por exemplo. E nenhuma empresa vê com bons olhos colaboradores a dizer horrores do seu local de trabalho na rua, ou a partilhar alegremente informações com a concorrência.
Não há ligação (seja profissional, de amizade ou amorosa) que resista sem lealdade, sem privacidade, sem a segurança de saber que as pessoas em quem depositamos a nossa estima estão dispostas a proteger-nos, tal como faríamos por elas. E quanto mais próxima a ligação, maior segurança se exige. A protecção e a confiança são necessidades básicas do ser humano: para estabelecer laços, precisamos de sentir que as pessoas chegadas constituem um refúgio, um pequeno mundo privado. Constantes interferências do exterior, muitas misturas e muita gente a opinar destroem qualquer relacionamento.
Há situações em que não se consegue ficar neutro como a Suiça e permanecer honrado. Tal como Jesus disse, não se pode servir a dois senhores. Existem ocasiões na vida em que podemos flutuar airosamente sem tomar partido, sem nos comprometermos: são aquelas que não nos dizem directamente respeito, ou que não têm grande importância. Em todas as outras, é necessário escolher lados, ter uma só palavra de honra, saber onde está a nossa lealdade e agir de acordo. Quem não o faz, mente quando afirma importar-se com as pessoas de quem gosta: quem é amigo de todos, não é amigo de ninguém. Nem merecedor, por sua vez, de fidelidade e confiança. É impossível, por uma simples questão de lógica, ser adepto ferrenho do Benfica e do Sporting ao mesmo tempo; juntar vinagre com leite e esperar um bom resultado; ser um Católico devoto e uma cumpridora Testemunha de Jeová. Não podemos ter afeição a alguém e em simultâneo, pactuar com indivíduos que lhe são odiosos com justa causa. O amigo do meu inimigo, pior inimigo é. Das duas uma: ou escolhemos o lado oposto com todas as consequências que isso possa acarretar -é legítimo escolher um lado, mesmo que seja o lado errado - ou decidimos (principalmente se houver motivos sólidos para tal) que quem se queixa está dentro da razão, que é essa pessoa que nos merece respeito - e tratamos de defender quem de facto nos importa.
Não existem áreas cinzentas. Não há meios termos. Temos de ir para onde o nosso coração está.
Manter um pé em cada margem, desvalorizando os sentimentos de pessoas supostamente queridas, relativizando acontecimentos graves, é falta de coragem, egoísmo, indecisão e implica perder a face. Nada mais simples.